Sapato de gelo

No dia 03/03/2022, no meio de uma praça, eu calcei um par de sapatos imersos, cada um, em um bloco de gelo.

Depois de calçar esses sapatos congelados, eu me levantei e saí andando. Experimentei a sensação de caminhar sobre o gelo.

De repente, eu tinha um peso muito grande nos meus pés, o que dificultava meus passos.

De repente, eu tinha a possibilidade de deslizar meus pés sobre o chão, o que facilitava meus passos.

De repente, eu tinha vários olhares curiosos, sorrisos discretos e comentários engraçados dirigidos à mim, o que me fazia sentir deslocado.

Desses três de repentes, a reação das pessoas na praça foi o que me trouxe mais reflexões. Principalmente os comentários. A maioria deles se referindo aos sapatos como um produto e àquela caminhada como um teste antes de lançá-los no mercado. Quando houveram perguntas, em geral, foi sobre como eles poderiam ser comprados.

Todos os comentários aconteceram com um certo tom de descontração. Ninguém estava falando sério sobre adquirir um par de sapatos imersos em blocos de gelo. Porém, isso me fez pensar sobre como nossa percepção do mundo é um tanto atrelada ao consumo. Sobre como mesmo uma ação com um tom de nonsense e despropósito, é justificada na possibilidade de venda.

Eu mesmo tentei não atribuir significados e grandes profundidades para essa ação antes de executá-la. Queria experimentar o fazer somente pelo ato do fazer, sem uma mensagem oculta para ser decifrada ou um produto final para ser exibido. E, apesar disso, enquanto caminhava com os sapatos de gelo, eu e Céu (co-criadore dessa ação) falávamos sobre maneiras possíveis de expor os registros dessa ação em uma galeria.

No fim das contas, eu considero arte um trabalho, buscando nela um sustento. Às vezes, isso soa como uma incoerência.

Fazia calor e esse ato foi refrescante.

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