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Relato de visita ao canteiro #1 — silêncios, fluxos e formigas

Em dezembro de 2023, reiniciei o processo de investigação do espaço onde aconteceu, em 2020, a ação Isso não é mais um canteiro! / O que é esse lugar?.

Com alguma frequência retorno à Farroupilha — RS, minha cidade natal, para visitar família e amigos. Durante esses breves períodos na cidade, reservo uma ou duas horas para visitar o canteiro em questão. Lá, observo, registro e habito.

Algumas dessas visitas geram relatos escritos, desenhados e/ou fotográficos que organizo e publico aqui.

O relato a seguir foi escrito em 23 de dezembro de 2023 e diz respeito à segunda visita ao canteiro desde a retomada da investigação.


Hoje retornei ao canteiro em Farroupilha. Dessa vez, fui acompanhado do livro Caminhar, uma filosofia, de Frederic Gros, de uma cadeira de praia, de uma garrafa d’água e de meus costumeiros caderno e caneta.

Vista do local onde me sentei. Ao fundo, decorações de natal.

Vista do local onde me sentei. Ao fundo, decorações de natal.

Era por volta de 15h30. Fazia muito sol e calor. Eu estava devidamente coberto de protetor solar. Me sentei em determinado ponto e li por alguns minutos. Li um capítulo chamado Silêncios, o que foi bastante curioso, afinal o que não acontece naquele canteiro, definitivamente, é silêncio. Uma certa ironia essa leitura nesse local. Sons de carro: motor, buzinas. Alguns pássaros. Gritos de um vendedor no semáforo.

Talvez, naquele caso, quem incorporava o silêncio fosse eu. Pelo menos é o que o final do capítulo pareceu me indicar:

Mas, antes de mais nada, [o silêncio] é novamente a dissipação da nossa linguagem. Tudo nesse mundo do trabalho, do lazer, da atividade, da reprodução e do consumo das coisas, tem sua devida função, seu devido lugar, sua devida utilidade, e a palavra exata que lhe cabe. Isso sem mencionar nossa gramática que até se alinha ao seguimento de nossas ações, nossas captações trabalhosas, nossos agendamentos. (…) A linguagem é um modo de usar, um briefing com as especificações técnicas. (…)

Aqui, claro, ele fala sobre o ato de caminhar calado. Mas transpus para o ato de permanecer no canteiro: de parar, sentar e ler. De ver ele de perto. Habitar ele. Isso cria algo como um bug no espaço ou na compreensão dele. Um permanecer que disputa com as especificações técnicas da palavra canteiro. Um uso errado daquele local. Uma das maneiras de negar novamente: Isso não é mais um canteiro!

O silêncio que exaure o significado da linguagem e toda sua carga. O silêncio enquanto recusa. Enquanto há silêncio mantém-se o não sentido.

Divagações feitas, concluí o capítulo e inicei outro sobre Rousseau. Conhecia só de nome. Pausei e caminhei ao redor. Fiquei preocupado com o sol. ”Será que passei protetor o suficiente?” Não queria me queimar.

Ouvi novamente os gritos do vendedor no semáforo, ele carregava uma cesta de palha, da qual não sei o conteúdo. Pensei em falar com ele depois para descobrir o que ele vende e se ele vende sempre ali.

Resolvi mudar de lugar. Fui mais pra perto do vendedor. Abri a cadeira e sentei. Li mais um pouco. Não consegui mais embalar a leitura.

Observei.

O fluxo dos carros nos semáforos é bem curioso: Flui → para → acelera → flui. Cruzamentos se intercalam nesses movimentos. Não gosto de qualquer romantização sobre carros, mas é algo como uma dança. Tem ritmo. Verde → amarelo → vermelho → verde.

Resolvi caminhar por espaços do canteiro que ainda não havia observado naquela visita. Em seguida, vi o vendedor indo embora. Penso que da próxima vez que voltar falarei com ele: um outro humano habitante daquele espaço, possivelmente, a mais tempo que eu.

Outros habitante do canteiro são quero-queros e formigas. Tenho certo medo dos primeiros, mas, dessa vez, nem pareceram notar minha presença (na minha outra visita gritaram e ameaçaram um ataque).

Já as formigas eu observei enquanto percorriam suas estradas no gramado do canteiro, carregando pedaços de folhas. Mais uma pequena ironia: Ao redor do canteiro → estrada. Dentro do canteiro → estrada. Andei junto delas e cheguei até o que acredito ser o formigueiro. Dali, segui até o máximo que consegui ver as formigas que não carregavam nenhuma folha. Seguiam por uma linha, com algumas bifurcações, que se entendia por uns 30 metros (?) (Não sou muito bom com estimativas de medidas). Porque elas vão tão longe? Porque em uma linha? Consumir em círculos ao redor do formigueiro me pareceu ser mais eficiente. Me senti intrigado pela caminhada delas.

Estrada formada pelas formigas no gramado.

Estrada formada pelas formigas no gramado.

Percebi que fazia uma hora desde que cheguei e decidi ser um bom momento para deixar o canteiro.


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