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FESTA #1


Art is what makes life more interesting than art.

– Robert Filiou


Fiz uma festa.
Convidei cinco pessoas e fiz uma festa.
Essa festa existiu em canteiros, esquinas e calçadas.

Preparação

Essa proposição teve início de maneira pouco clara, em movimentos errantes e incertos. Eu sabia que queria ações, eu sabia que queria ambientes públicos.

No início desse processo um pequeno caderno serviu para tomar nota de tudo: ideias de ação, observações sobre a execução delas, diagramas e fórmulas matemáticas. Agora, ele se torna um local de potência e consulta.

Deslocamentos

Em meio ao processo de criação, me desloquei duas vezes. Ambas física e mentalmente. A primeira vez que me desloquei, foi indo assistir a uma orquestra sinfônica. Lá, apreciei a música. Porém, mais ainda, apreciei o meu desconhecimento dos rituais do local. Os momentos certos para bater palma, a apresentação visual dos músicos, as consequências de uma vareta ser agitada.

A segunda vez que me desloquei, foi indo a uma missa católica. Eu queria experimentar como era estar nesse local sem uma sensação de dever. Novamente os rituais. O levantar e o sentar constante, os sinais de mão, os cantos. Estranhezas geradas por um mundo incomum à mim.

Depois desses deslocamentos, a palavra festa começou a aparecer com frequência em minha mente. Festa é ritual?

Decidi que queria fazer uma festa.
Convidar outras pessoas e fazer uma festa.
Não sabia onde e nem como essa festa iria acontecer.

Ações

Além de me deslocar para locais de rituais não familiares, criei rituais para fazer na rua. A rua também é ambiente de ritual? Caminhar em passos apressados é ritual?

Passei a executar uma série de ações que eu vinha registrando em meu caderno. Aqui chamo elas de rituais, mas acredito que elas naveguem em uma certa fluidez de conceitos. No livro Homo Ludens, Huizinga afirma:

Existem entre a festa e o jogo, naturalmente, as mais estreitas relações. Ambos implicam uma eliminação da vida quotidiana. Em ambos predominam a alegria, embora não necessariamente, pois também a festa pode ser séria. Ambos são limitados no tempo e no espaço. Em ambos encontramos uma combinação de regras estritas com a mais autêntica liberdade. Em resumo, a festa e o jogo têm em comuns suas características principais

Em outros momentos do texto, Huizinga também equivale os conceitos de jogo e ritual. Portanto, entendo que essa afirmação abrange e une todos os três conceitos. A partir disso, entendo as ações executadas como rupturas no espaço e no tempo do comum.

O primeiro ritual criado, foi um passeio com balões amarrados em cordas. O segundo, foi uma caminhada quicando uma bolinha pula-pula. O terceiro, foi uma caminhada através de lajotas de uma calçada, numeradas com giz.

Cotidiano

Estava decidido que queria fazer uma festa.
Estava decidido de convidar outras pessoas e fazer uma festa.
Passei a entender onde e como essa festa iria acontecer.

Em 1917, um grupo de artistas dadaístas divulgou que iria fazer uma visita a diversos pontos banais de Paris, convidando quem quisesse a se juntar a eles. O primeiro desses lugares foi uma igreja da cidade, onde eles se reuniram e ali ficaram ocupando aquele espaço por algum tempo. A partir dessa ação, Francesco Carreri coloca sob perspectiva a grandeza da ação dadaísta:

O dadá deixou de levar um objeto banal ao espaço da arte e passou a levar a arte – na pessoa e nos corpos dos artistas dadá que compunham – a um lugar banal da cidade. Aquela “nova interpretação da natureza aplicada, esta vez, não à arte, mas à vida”, anunciada no comunicado de imprensa que explicava a operação em Saint-Julien -le-Pauvre, é um apelo revolucionário da vida contra a arte, que contesta abertamente as tradicionais modalidades da intervenção urbana, campo de ação tradicionalmente pertencente apenas aos arquitetos e urbanistas.

A festa acontecendo em lugares em que não se espera que uma festa aconteça. Assim como eu me desloquei para lugares que me geraram estranhamentos, os estranhamentos poderiam estar na rua.

Deslocar cotidianos.

Estar em lugares banais.

Estar em lugares feitos para ir.

Festa/ritual/ação

Escrevi instruções para seis atividades. Descrevi como deveriam ser executadas e listei os materiais necessários para a execução delas. Em meio a isso me confrontei com uma fórmula matemática tirada de minha cabeça:

1ação . Xpessoa(s) = Xação(ões) + 1

ou seja, se X=10

1ação . 10pessoa(s) = 10ações + 1 = 11ações

Junto dessa fórmula uma constatação: O milagre da multiplicAÇÃO. Quando tratamos de ações em coletivo, a multiplicação tradicional não se aplica. No fim, sempre somamos uma ação a mais. Estava nomeada a festa!

Compartilhamento

Eu planejei a festa, escrevi suas instruções, textos de abertura e de encerramento. E, apesar disso, ela não é minha. Ela é um esforço de execução (individual ou coletivo). Para ela existir, precisa ser feita. Portanto, desenvolvi um manual listando as instruções para as atividades, bem como uma série de passos para a realização da festa. Esse manual foi criado com a intenção de que a festa possa ser replicada, reestruturada e alterada. Destruição e recriação.

Fiz uma festa.
Convidei cinco pessoas e fiz uma festa.
Essa festa existiu em canteiros, esquinas e calçadas.

Registros da primeira execução

  1. Fala de abertura
  2. Jogar dados até que caia um número específico
  3. Caminhada numerada na calçada
  4. Bolinhas na parede
  5. Acender um fósforo
  6. Comer bolo
  7. Falar uma palavra
  8. Fala de encerramento

Saudações a todas as pessoas presentes. É com orgulho e satisfação que se inicia a FESTA #1 o milagre da multiplicAÇÃO.

Essa FESTA quer ser um teste da seguinte equação:

1ação . Xpessoa(s) = Xação(ões) + 1

ou seja, se X=10

1ação . 10pessoa(s) = 10ações + 1 = 11ações

Os protocolos para essa FESTA são simples e diretos. Eu, que leio esse texto introdutório, serei o mediador das atividades. Não participarei delas, somente serei responsável por conduzi-las.

Vocês, que me escutam, serão as pessoas participantes, responsáveis por participar das atividades.

A programação dessa festa é a seguinte:

  1. Jogar dados até que caia um número específico
  2. Caminhada numerada na calçada
  3. Bolinhas na parede
  4. Acender um fósforo
  5. Comer bolo
  6. Falar uma palavra

Cada atividade possui uma descrição, onde são dadas instruções para que sejam realizadas. Elas serão lidas por mim e em seguida elas serão executadas por vocês. Fornecerei todo o material necessário. Para atividades que necessitam de locais específicos para serem executadas, nos deslocaremos.

É com satisfação que, junto de vocês, encerro a FESTA #1 o milagre da multiplicAÇÃO. Agradeço a todas as pessoas que participaram.

É válido ressaltar que essa FESTA não é de minha propriedade e nem executada por mim. Ela é um esforço coletivo. Portanto, pode e deve ser replicada, hackeada, desfigurada. O código dela é aberto e vocês receberão um documento com ele.

Agora, como atividade final, todos seguiremos para o nosso próximo compromisso do dia retornando à nossa rotina normal de domingo, mas não sem antes darmos uma salva de palmas para nós mesmos.

Aplausos

  • Andrei
  • Céu
  • Nazu
  • Pietro
  • Rafael

Registro da ação – Jogar dados até que caia um número específico

Registro de instruções sendo passadas (📷 Céu Isatto)

Registro da ação – Acender um fósforo

Registro da ação – Comer bolo

Registro da ação – Falar uma palavra

Epílogo – festas para o futuro

A FESTA #1 recebe um número justamente por visar a continuidade. Ela pode ser executada inúmeras vezes e ainda ser a #1, mas novas festas podem surgir, com novas instruções e modos de execução.

Ainda, essa proposição acontece em caráter tão experimental, que chego a pensar se a nomenclatura mais adequada a ela não seria algo como: FESTA #0.1 e depois FESTA #0.2, e assim sucessivamente até finalmente atingir o #1. Um evento em fase beta, assim como um software recém disponibilizado ao público. Contudo, acredito que com um número inteiro concretizo a proposição e encerro os pequenos aperfeiçoamentos infinitos. Talvez esse número inteiro seja mais para mim do que para os outros.

Algumas possibilidades de festas para o futuro surgem em referências.

Domingos de Criação (Itaú Cultural)

Em 1971, Frederico Morais, realizou uma série de eventos em parceria com o MAM-RJ chamados Domingos da Criação. Neles, o público e artistas eram convidados à área externa do museu para experimentar com diversos materiais. Os eventos se tornavam verdadeiras festas e levavam a arte para fora do espaço institucional, permitindo que todos os presentes fossem agentes de transformação daqueles materiais. Aqui, não me interessa tanto a institucionalização do evento, mas sim a abertura dele. A possibilidade de receber qualquer pessoa que queira participar e tornar ela protagonista daquele momento de criação é cativante.

Keep Hope Alive Block Party (divulgação Critical Art Ensemble)

Em 2013, o grupo Critical Art Ensemble, fez uma festa em Portland (EUA) chamada Keep Hope Alive Block Party. A festa girava em torno de uma crítica à distribuição de renda injusta no país, oferecendo: uma sopa, que somente tinha valor calórico; delírio, na forma de bebidas alcoólicas e energéticas; e esperança, na forma de tickets para uma rifa com prêmios em dinheiro. Essa ação introduz uma perspectiva mais politizada dentro desse tipo de evento, além da abertura para que pessoas de fora possam participar também, duas coisas que me interessam muito para futuras iterações da FESTA.

Vou fazer mais festas.
Vou convidar mais pessoas e fazer mais festas.
Essas festas podem existir em qualquer lugar.

A Festa #1 o milagre da multiplicAÇÃO foi executada pela primeira vez no domingo, 01/05/2022, em Porto Alegre – RS.

A documentação de execução dessa ação pode ser baixada através dos links.

A Festa #1 o milagre da multiplicAÇÃO é um evento que pode ser modificado e alterado conforme a sua vontade ou necessidade. Destrua, recrie.

Se executar a festa ou parte dela e quiser compartilhar registros e percepções comigo, mande um email para tiagogasperin84@gmail.com.br ou poste nas redes sociais com a hashtag #festa1

Referências

CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como prática estética. São Paulo: G. Gil, 2013. D O S S, 2017.

HUIZINGA, Johan; LUDENS, H. O. M. O. O jogo como elemento da cultura. 4ªed. São Paulo: Perspectiva, 1999.

KEEP Hope Alive Block Party. Critical Art Ensemble. Disponível em: http://critical-art.net/keep-hope-alive-block-party-khabp-2013/. Acesso em: 06 mai. 2022.

LEAL, André. Da cidade lúdica aos Domingos da Criação: a constelação Frederico Morais. REVISTA POIÉSIS, v. 20, n. 33, p. 413-434, 2019.


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