🧰 tiago gasperin

O que é posse?

Esta é uma reprodução do conteúdo da 13ª edição da newsletter Indústrias Tiago. Caso queira assinar a newsletter é só descer até o rodapé da página 😉

O que é posse?

Essa pergunta vem aparecendo em minha cabeça em relação a diversos tópicos. Irei abordar/listar alguns deles aqui:

Eu, junto de outras duas pessoas, alugo um apartamento. Eu vivo nesse lugar: como, durmo, leio, sujo, limpo, cozinho, estudo… Tudo isso nesse espaço que eu denomino meu apartamento. Meu apartamento. Ele não é realmente meu, mas sinto como se fosse. Sei que não vou viver aqui pra sempre e, quando eu me mudar, tenho certeza que não vou mais sentir como se ele fosse meu. Mas nesse momento sinto. Ele está servindo para mim como lar e ao proprietário como renda. Será que ele é meu e do propritário? Ele é mais de um do que do outro?

A partir do meu apartamento, expando. Como alguém se torna dono de um pedaço do mundo? Isso ja é parte tão indissociável da nossa organização social, que não estranhamos o fato de que algumas pessoas/empresas/nações são donas de pedaços do mundo. Como isso é possível? Eu sei que a resposta é óbvia, mas aqui proponho uma certa abstração da nossa sociedade e que pensemos em âmbitos mais fundamentais. Então, como posso afirmar que um pedaço de terra ou mar ou ar me pertence?

Um dos meus lugares favoritos é o Moinho Covolan, em Farroupilha. O Moinho, que foi construído em 1920, teve uma ocupação espontânea/artística a partir dos anos 90. Essa ocupação transformou o Moinho de um prédio em ruínas, para um espaço de arte e cultura. Diversos herdeiros da família são proprietários legais do Moinho e isso resultou em um processo judicial de desocupação que corre até hoje. Eu não sou um herdeiro legal do Moinho, mas me sinto herdeiro. Sinto que aquele prédio é meu, mas não só. Sinto que ele é de toda a comunidade que se formou ao redor e dentro dele. De quem é o Moinho?

Recentemente, o mundo da arte está sendo abalado pela popularização dos NFTs (basicamente um método que permite que um item, puramente digital, possa ser único e, portanto, possuído). Isso me levanta questões sobre o mundo da arte como um todo. Como se possui arte? Eu posso dizer que uma determinada pintura é minha. Contudo, quando alguém aprecia essa pintura, ela passa a ser desse alguém também? A arte é materializada em objetos e ações, mas ela é para além deles. A arte acontece na subjetividade das nossas percepções, ela é um grande jogo. Portanto defendo, a arte não é passível de posse, os objetos talvez, a arte não. Dentro dessa perspectiva, faz sentido possuir os objetos?

O idioma português (e muitos outros) é recheado de pronomes de posse: meu, sua, dela, deles, nosso… Eles compõem frases em que nos referimos a bens materiais, mas, também, a bens imateriais. Um dos usos desses pronomes, no qual eu venho pensando, é o de designar relações com outras pessoas: meu pai, sua namorada, vizinha dela, irmão deles, nosso amigo. Utilizando esses pronomes, desenvolvemos uma ideia de posse com relação às outras pessoas? É possível possuir uma relação? Se sim, todas as pessoas envolvidas nela possuem partes iguais ou algumas possuem mais partes do que outras?


Cantinho das recomendações

O livro Os Despossuídos, de Ursula K. Le Guin, foi o disparador das reflexões feitas nessa newsletter. Ele nos apresenta dois planetas gêmeos: Urras e Anarres. O primeiro sendo regido por um extrapolação do sistema capitalista atual e o segundo sendo puramente anarquista. O livro explora as relações dos dois mundos e esboça uma possibilidade de organização social onde o conceito de posse é, muitas vezes, visto com maus olhos. Uma leitura um tanto cativante.


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